No regaço das
nuvens descansavam os anjos. Longas eram as suas asas brancas e seus cabelos
negros como as noites sem luar.
Receberam os
anjos uma missão: plainar sobre a terra e entre árvores, e entre olhares e
arroios, e por entre brisas e alguns carinhos. Deveriam despertar o cheiro de
rosas com cuidado, entre dois corações.
Desceram à
procura, atentos às dimensões dos corpos de mãos dadas, procurando pelas vidas
que passam, aprendendo a linguagem do lugar e suas leis.
Miraram a
paisagem, estudaram os princípios, correram invisíveis entre as casas,
deslizaram sobre o leito de rios serenos, ou nas tormentas das madrugadas.
Dois corpos
vieram através de um caminho. Uma alma ia. A outra vinha.
Os anjos
estremeceram. Invocaram cantigas e sonhos, estrelas de um plácido lugar. Cantaram
em coro, os anjos, e entre parreirais, e entre figueiras, e entre flores de
pessegueiros, e entre as pedras das ruas, iam cantado os anjos porque viram
dois corpos que passavam, leves como a sombra que passa, silenciosos em suas
próprias recordações.
Os anjos
postaram os olhos nos olhos do corpo que vinha e do corpo que ia. E suspiraram
os anjos, e entrelaçaram os dedos, felizes, e ternamente entoaram a canção do
amor eterno para os corpos que passavam. Era a missão deles.
Os corpos que
iam e vinham cruzaram-se pelo caminho. Olharam-se. E não se reconheceram.
Continuaram seu rumo incerto, seus vestígios, suas mãos e seus passos pelo
caminho.
Os anjos
perderam-se de suas direções. Seus versos desaprenderam a memória cantada. O
dia prolongou-se imóvel na sua perfeição mais pura. Imobilidade nos amanheceres
seculares. Silêncio nas asas do mundo. Nas bocas dos anjos. Nos corações dos
anjos.
Contemplaram
os anjos, os dois corpos que se cruzaram, mas não se reconheceram. Não
reconheceram o amor.
E assim,
contemplando o amor nascido morto, os anjos choraram pelo que deveria ter sido
e não foi.
Recostados
nas nuvens, não suportaram as águas nos olhos: infelizes os anjos verteram
lágrimas sobre a face da terra.
Um murmúrio
de gotas em ventos suaves nas folhas, em riscos agarrados a grandes trovões no
céu se ouviu. A chuva cumpriu-se áspera e às vezes serena à margem da vida.
E o amor, de
cinza se recobriu.
[Schultz, Rita. Brisa. in A lenda da chuva. Scortecci, 2013, p. 71]
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